sexta-feira, 12 de junho de 2015

Dia dos Namorados no PS


- Belo dia dos namorados que eu fui arrumar.
- Pode ter certeza que minha noite tá pior que a sua.
- Me tirou do meu Netflix, do meu chazinho, da minha doce solidão.
- Carol, não te obriguei a me buscar.
- Não me obrigou, só ficou de mimimi no meu whats, com esse papo de "dor absurda" e "tô morrendo". Queria o quê?
- Tô sofrendo mesmo.
- Pois é, sou ex-namorada, mas não o monstro que você pinta pros seus amigos.
- Ia comprar uma pomada qualquer e pronto, adeus cu estourado.
- Caio, sabe lá se é hemorróida mesmo? Pode ser uma trombose, um abcesso, edema, sei lá.
- Para, tá me dando nervoso.
- É grande o inchaço?
- Do tamanho de uma couve-flor.
- Que horror!
- É brincadeira.
- Não tem graça! Já não basta me fazer passar por isso hoje?
- Carol, meu cu não sabe que é dia dos namorados. Apesar daquelas brincadeiras lá no começo do namoro, ele nunca participou muito da nossa relação, você há de convir.
- Duvido que a Sandra, a Luiza ou uma das suas meninas fizesse algo assim. Aliás, por que não pediu pra uma delas te levar ao PS?
- Para de me torturar! Não chega essa dor?
- Agora dói, né? Já doeu bastante em mim também. Enfim, sou uma burra mesmo.
- Que caminho é esse?
- Santa Catarina, ué.
- Não, toca pro Beneficência. O Duarte atende lá.
- Não vai ter vergonha do seu amigo?
- Ele é médico, porra!
- Sei lá, homem é sempre um bicho infantil.

Carol e o rastejante Caio entram no hospital. Ele preenche uma ficha e logo é chamado para atendimento.

- Quer entrar comigo?
- Não. Quero ver essa série da Globo que começa hoje – responde Carol, seca, sem tirar os olhos da TV da recepção.

Com ar de auto-piedade, Caio encaminha-se para a porta.

- Caio, espera.
- Oi.
- Você andou dando essa bunda, não andou? – crava Carol, sem se importar com as demais pessoas no saguão.
- Deixa de ser ignorante – susurra Caio, envergonhado com os enfermeiros que transitam pelo hall.
- Relaxa, enfermeiro é tudo gay, no máximo você vai descolar um atendimento mais "dedicado".
- Agora tá sendo preconceituosa.
- Fói só uma dúvida. Porque soube que voltou a cheirar. 
- Você sabe que tenho o intestino preso. Uma hora isso tinha que acontecer.
- Acontece porque você tá velho.
- Assiste sua série. Tchau.

Quinze minutos depois, no saguão...

- Carol?!
- Duarte, quanto tempo! Tudo bem com o Caio?
- Não muito. Ele entrou em estado convulsivo. Vou internar.
- Meu Deus! Não era só uma hemorróida?
- Pra você ver o tamanho do alien que ele tinha no reto.
- Como médico, você não devia falar assim.
- Desculpa, só vim saber se queria vê-lo antes da internação.
- Ok, vou lá.

Carol caminha pelos corredores do PS em busca do consultório que abriga Caio. Quando encontra, leva um susto ao abrir a porta.

- Caio, que porra é essa?
- O que te parece, minha linda?
- Desliga essa música, esqueceu onde você tá?
- Relaxa! Olha, tenho vinho.
- Por que essas pétalas no chão? Que brega, meu Deus!
- Ninguém vai aparecer, a noite é nossa.
- Parou, parou! Se é uma piada, como parece que é, foi a última!
- Não existe ninguém mais importante do que você na minha vida.
- Foda-se! Isso aqui é um hospital.
- O Duarte tá me cobrindo.
- O Duarte é médico. Como pode compactuar com essa palhaçada?
- Deita aqui, vamos celebrar.
- Na maca? Tá doido? Sai pra lá!
- Então fico no chão.

Caio se ajoelha e tira uma pequena caixa do bolso.

- Levanta, porra! Que é isso aí? Caio, não faz isso…
- Este anel era da minha avó. Tô te dando como prova da minha sinceridade.
- Olha, com todo respeito à sua vó, pode enfiar no seu outro anel, se é que ele suporta.
- Você não facilita. Tô dizendo que mudei!
- Caio, tem alguém me esperando na recepção.
- Alguém?
- Sim, a fila andou.
- Como assim? Não me quer mais de volta?
- E por que deveria querer? 
- Porque a gente combina juntos - sorri, singelo.
- Olha, tô indo, me agradece por não denunciar você e o imbecil do Duarte.
- Carol, peraí - lívido, Caio leva a mão ao peito.
- Tá passando mal?
- Sim.
- Bom, dessa vez não preciso te levar a lugar nenhum. Já tá entregue.
- Bruxa!
- Cafona!

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