- Eu fico realmente espantado com você.
- Por quê? É tão anormal querer conhecer um puteiro?
- É anormal sim, Maíra! Ainda mais comigo, que jamais fui
frequentador.
- Não frequenta agora. Mas antes de mim…
- Você acha que vai ver o que aí dentro? Não é Moulin Rouge
não, é vida real: gente solitária, bunda triste, cheiro de
lubrificante vagabundo…
- Deixa eu me decepcionar, Dirceu.
- Vou ter que bancar o eunuco, as putas, coitadas, vão se sentir bichos de zoológico, e os clientes constrangidos com a sua presença…
enfim, ninguém se beneficia nessa história.
- A sua precisão me leva a crer que esse ambiente ainda é bem familiar pra você.
Dirceu esquiva-se da insinuação:
- Uma cerveja e
damos no pé, ok? - aponta uma placa em neon - Tá bom aquele?
- Não, olha
aquela luz verde da fachada, que horror!
- Qual o
problema?
- Entristece a
figura dos seguranças e não estimula em nada a visita.
Após recusar um outro estabelecimento, por causa do terno
puído do segurança, Maíra opta pelo Coco Bongo Night Club, pois considera a a
temática “caribenha kitsch” divertida.
- Um sex on the beach, moço.
- Maíra, sabe quanto custa drink aqui dentro?
- Permita-se! – desdenha a namorada, lançando um olhar curioso
para a pista, ainda pouco movimentada às onze da noite – Vamos dançar?
- Olha ali, não é o…?
- Quem?
- Nada.
- Você viu algum conhecido? Me mostra.
- Não, achei que…
- Dirceu, Dirceu… tá protegendo quem? Fala!
- Achei ter visto o Saulo… mas deixa ele em paz.
- O Saulo?
Peraí, que Saulo? O da Gi?
- É… ou melhor, não sei.
- Você é péssimo! – ataca Maíra, cheia de desprezo pela
postura cúmplice do namorado - Cadê ele?
Os olhos da mulher percorrem o lugar, fixando-se em uma
silhueta masculina parcialmente encoberta por uma coluna.
- Já vi! Vamo lá!
- Aonde? Péra…
Saulo conversava com uma mulher de biquini verde
abacate ao ser surpreendido por Maíra com um tapinha nas costas.
- Saulinho, é você mesmo!?
O homem sorri amarelo, indeciso entre reagir
ou não com bom humor. Dirceu tenta socorrê-lo:
- Grande Saulo… sempre bem acompanhado – sorri para o amigo,
mas desfaz a empolgação ao perceber a feiúra da moça do biquini abacate.
- Moça, a gente queria falar com nosso amigo um instante. Obrigada,
querida!
Saulo ainda os encara como se fossem fantasmas.
- O que vieram fazer aqui? – consegue perguntar.
- Não o mesmo que você, né Saulinho?! – debocha
Maíra.
- Maíra! – irrita-se Dirceu – Se tem alguém aqui fora do
habitat natural, esse alguém é você.
- Aqui dentro a ética é outra – completa Saulo, mais confiante – Então não vem com lição pro meu lado.
- Que bonito! Os dois declarando o puteiro como zona de exceção.
Deixa a Gi saber que existe um lugar onde o namorado dela abandona a monogamia.
- Monogamia? – Saulo gargalha – Maíra, você mal
passou dos trinta, devia ser menos tradicional. Vou ao banheiro pra não ter que
ouvir isso. Vocês me permitem?
O casal já não parece tão animado. Apenas observa a casa encher, enquanto Lady Gaga berra nas caixas de som.
- Nenhuma sem silicone! Vocês gostam mesmo disso, Dirceu?
- Vamos embora?
- O Saulo foi um grosso! Eu não sou nada careta. Sei separar
as coisas.
- Ele deve estar estressado, querendo relaxar, e a gente
atrapalhando. Vamos?
- Não! Se o Saulo precisa se aliviar, vou dar uma força.
- Como assim?
- Posso ajudar a escolher uma profissional boa e confiável. Sou mulher, tenho feeling.
- A troco de quê?
- Ué, mostrar que sou mente aberta.
- Ele não precisa. Já tá desenvolvendo com outra ali no
balcão.
- Aquela? Jesus! Vai levar doença pra Gi!
Novamente Saulo tem a conversa interrompida pelo casal.
Dessa vez ele reage com mais calma:
- Maíra, não fica preocupada com a Gi, só vim aqui beber.
- Sei. E tá conversando com as meninas pra quê?
- Sou educado. Respondo quando me abordam.
- Saulo, não precisa bancar o sonso, eu te ajudo a achar uma.
- Ah, claro! Vai fazer a cafetina e depois me entregar.
- Opa! - intromete-se Dirceu.
- Shiu, Dirceu! Se você deixar, não conto pra Gi - promete Maíra - Aperta a minha mão.
- Aperto porra nenhuma, já disse que vim aqui só beber e conversar, aliás...
- Saulo, não precisa bancar o sonso, eu te ajudo a achar uma.
- Ah, claro! Vai fazer a cafetina e depois me entregar.
- Opa! - intromete-se Dirceu.
- Shiu, Dirceu! Se você deixar, não conto pra Gi - promete Maíra - Aperta a minha mão.
- Aperto porra nenhuma, já disse que vim aqui só beber e conversar, aliás...
Saulo tenta retomar a conversa com a puta, mas ela faz uma careta e os abandona, toda rebolativa. Dirceu
e Saulo observam a bela bunda se distanciar. Maíra ignora a falta de decoro e estica os olhos até a pista de dança.
- Aquela ali, Saulo! Vamos chegar nela.
- Como assim “vamos”? Maíra, você tomou ácido? – reage Saulo
– Em primeiro lugar ela se veste como uma evangélica…
- Ela tá elegante de vestido, ué! Só porque não usa fio
dental? Vocês deviam curtir mais um mistério!
- Em segundo lugar – retoma Saulo – Eu não preciso da sua
ajuda.
O barman, que ouve a conversa enquanto enxuga alguns copos, resolve
se meter, mostrando indiscreta intimidade com Saulo:
- Ô Borracha, vai na dica da sua amiga que é sucesso. A Nicole
é um dos melhores boquetes da casa é capaz.
- Borracha? – intriga-se Dirceu.
- Até você vai se meter na minha vida, Jurandir? –
revolta-se Saulo.
Maíra não
contém a curiosidade:
- Por que borracha?
- É o apelido carinhoso que as meninas deram pra ele. Porque
na hora agá – mostra o polegar pra baixo, causando espanto em Maíra e
indignação em Saulo.
- Tá louco, Jura? Que piada de mau gosto!
- Gente, mas é culpa do pó. Essas coisas acontecem mesmo. Eu
tenho um primo…
- Ô Jura, vê se cala essa boca! – ordena Saulo,
voltando-se em seguida para os amigos – Deixa eu chegar na rainha do boquete pra
fugir de vocês.
Dando o assunto como encerrado, Dirceu tenta puxar Maíra até a porta de saída, porém:
- Calma, agora tá quase no fim. Deixa eu ver como termina.
- Aí já é voyeurismo. Vai querer ir pro quarto com eles também?
- Porra, mas eles já estão conversando faz tempo. Costuma demorar assim a negociação?
- Bom, depende…
- Você se entrega mesmo, hein!?
- Olha lá, acho que não vai rolar.
Maíra corre até os dois:
- Oi, prazer, meu nome é Maíra.
- Meu Deus! O que foi agora?
- Vocês estão demorando demais pra decidir. Quero ir embora.
Olha lá a cara do Dirceu, coitado.
Saulo suspira, aponta pra puta e, mau-humorado, esclarece:
- Tô negociando o completinho. Mas ela tá cobrando caro.
- Completinho?
- É, Maíra, o cu! Se você convencê-la a fazer mais barato, fecho
com ela. Que tal?
- Eu? Tá maluco, Saulinho? Reprovo completamente.
De saco cheio, a puta encerra o impasse:
- Vem, Borracha, paga o combinado, mas para de enrolar –
puxa Saulo pela braguilha até os fundos da boate.
À distância, Saulo vira-se para Maíra e sorri. Ela responde
com um joinha pouco convincente. Já na rua, comenta:
- Vou ligar pra Gi.
- Vai nada!
- Vou sim. Nunca gostei desse Saulo, ainda menos agora ao
saber que ele come cu de puta.
- Mas foi você que armou!
- Me poupa, né!?
- Eu fico realmente espantado com você!
- Para de repetir isso. Shiu, tá chamando…
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