terça-feira, 1 de outubro de 2013

Pergunte ao Obama



A pequenina Bel invade o quarto de Carlos chacoalhando colares, pulseiras, peitos e uma enorme bolsa.

- Porra, Cal! Te ligo, mando mensagem... e nada. Tá se escondendo?
- Já experimentou bater na porta?
- Rabugento! Quem tem razão para estar indignada sou eu.
- Desliguei o celular porque quero sossego.
- Posso imaginar o porquê de ter desligado. Eu devia sentir raiva de você, mas tenho mesmo é pena.
- Tá falando de quê?
- Não sabe mesmo? Peraí, deixa eu pegar o iPhone na bolsa.
- Ah, lá vem você também. Por que ninguém me deixa em paz?
- Ué, mas eu sou a principal interessada nas suas palhaçadas. E a que mais se envergonha também.

Bel saca o celular e vai direto à página de seu e-mail.

- Puta que pariu! Só enquanto eu vinha pra cá chegaram mais 2. O que tá acontecendo, afinal?
- Eu é que pergunto.
- Filho da puta! Você sabe muito bem. Ontem me mandaram prints de conversas suas, marcando encontros pelo face. E agora, pelo visto, vem mais sujeira.
- Quem mandou isso?
- Um fake qualquer que quer te foder comigo. E tá conseguindo!
- Eita, porra! Me hackearam, e isso é serio.
- Nossa, Carlos André! Agora chegou o seu histórico. Deus do céu!
- Passa pra cá. – avança Carlos sobre o iPhone.

Bel protege-se da investida com um olhar ameaçador. Depois continua a ler, enquanto o namorado se faz de ofendido:

- Ah, quer ler? Quer invadir minha privacidade? Que se foda!
- O que é ballbusting?
- Ahn...? Esquece essa merda.
- Esclarece pra mim porque eu fiquei curiosa.
- Ah, quem nunca clicou em um link sem querer, só por curiosidade?
- Mais de quarenta vezes? Olha, eu nem ligo se você tem tara por mulher que te chuta o saco, mas manter conversa com piranha e ainda marcar chopinho é demais. Tá infeliz comigo? Cai fora, meu!
- Bel, alguém tá orquestrando uma campanha contra mim. Isso é espionagem.
- Ah, me poupa! Pra que iriam te espionar?
- Pergunte ao Obama.
- Oi?
- Fui hackeado por causa do meu ativismo. A ideia deles é me expor ao ridículo.
- Você já é ridículo por si só. Não precisa de ninguém pra “orquestrar” isso.
- Bel, articulamos a maioria dos protestos. Esqueceu? Tem corporação puta com a gente, mídia descendo o pau e a CIA por dentro de tudo!
- Notei que invadiram sua conta, mas daí a acreditar que, em meio a centenas de milhares de militantes, o escolhido pela CIA seja você, é pedir pra me colocarem em uma camisa de força.
- Você é leitora da Veja. Vai sempre desqualificar nossa luta - estranha a letargia da namorada - Bel?
- Jesus Cristo! Eu ainda não tinha visto o facebook hoje.
- Eu queria te prevenir.
- Mais de 2 mil compartilhamentos. Quanta gente doente!
- A coisa perdeu o controle, mas eu posso explicar.
- Então explica isso.

Bel dá play em um vídeo e começa uma grotesca compilação de cenas, que mostram Carlos cumprindo um mesmo ritual sucessivas vezes, diante do vaso sanitário, em cujo interior está posicionada a câmera. Primeiro ele olha para a lente, diz o nome completo, a data da ação, a hora e o enigmático termo “Fecal Monitoring Project”. Aí vem a pior parte: Carlos vira a bunda desnuda, que avança em direção à tela. A massa fecal expelida é vista nos mínimos detalhes. O ânus está desfocado, mas o rosto de Carlos não, para azar do rapaz.

- Fecal Monitoring Project, Carlos André? - controla o riso Bel - Ainda bem que colocaram um blur no seu cu. Nem eu tinha te visto nesse ângulo.
- Tem um sentido nisso.
- Claro. Virar o meme mais escroto da história da internet.
- Bel, era pra ser sigiloso. Acha que eu faria se tivesse algum risco de vazar?
- E por que fez, porra? Por quê? – desespera-se Bel.
- Por causa da grana, pra me curar... – aflige-se Carlos - E também por ser uma boa ação.
- Boa ação? Quem te pagou pra fazer essa nojeira? Só pode ser algum site pornô.
- Não, Bel. O projeto é de um laboratório farmacêutico. Eles querem desenvolver um remédio para a síndrome do intestino irritável.
- Conta outra.
- Eu coleto material toda semana, mas também mando vídeos diários pra monitorarem os meus hábitos e a intensidade da evacuação. Enfim, minha vida intestinal.
- Você vendeu sua vida intestinal pra um laboratório. É isso?
- É... mais ou menos isso. Mas tem uma coisa boa além da grana.
- Aposto que sim.
- Se desenvolverem a cura, ganho medicamento pra vida toda. Aí acabou o desconforto – sorri amarelo, sem obter contrapartida alguma - Sabe o que é ter que correr pro banheiro em toda ocasião tensa?

Bel não se comove.

- Você foi feito de otário. Acha mesmo que iriam pedir vídeos das suas cagadas?
- Bel, eu li a metodologia.
- E cadê o dinheiro?
- Me deram uma parte. A pesquisa demora um tempo.
- Vai se foder! Alguém te deu um golpe pra poder colocar isso na internet. A mesma pessoa que anda te queimando comigo.

Suando pela testa, Carlos investiga os cantos do quarto, em uma afetada busca por câmeras escondidas.

- Isso é coisa de gente graúda, Bel.
- Duvido que algum outro militante esteja enfrentando isso. Só mesmo o senhor anti-tudo egocêntrico e imbecil!
- Você tá enganada. Teve uma militante nossa que já sofreu na mão deles.
- Não inventa.
- É sério. Uma mulher rica, importante e... bom, era mais um patrocínio, por se identificar com a nossa causa. Mesmo sem mostrar a cara, eles descobriram e foderam com ela.
- Imagino que você não vai contar quem é, não é mesmo?! Logo você, sempre tão discreto.
- É sigiloso, porra! Mas depois do incidente ela virou nome de lei e tudo. Achei que a perseguição fosse parar ali, mas aí vieram as manifestações e o resultado é esse que você tá vendo.
- Não tem mulher nenhuma. A CIA deve estar concentrada demais em monitorar suas tentativas de me chifrar e em saber a cor do seu cocô, claro – ironiza Bel.
- O nome Carolina Dieckman não te faz lembrar de algo? – desafia Carlos, comprovando que não é mesmo uma pessoa discreta.
- Como assim Carolina Dieckman? Você tá dizendo que...?
- Shhhh.

Bel gargalha até ficar roxa.

- Você julga as pessoas apenas pela imagem. – conclui Carlos com amargura.
- Ai, minha barriga. – tenta recompor-se Bel - A piada foi boa, mas não o suficiente pra eu te perdoar.
- Olha, eu não riria da Carol se fosse você.
- Carol?

Bel volta a gargalhar descontroladamente. Mas diante do ar impassível do namorado, a graça vai se esvaindo até ela se sentir um pouco desconcertada.

- Por que eu não riria da Carol? – desconfia Bel, ainda com lágrimas de divertimento nos olhos.
- Essa era a segunda coisa que eu tinha pra te dizer.
- Segunda coisa?

Carlos engole seco e dá as costas para a namorada.

- As minhas fotos! Carlos, elas estavam na sua máquina? Você não daria esse mole – Bel crava as unhas no braço do namorado - Olha pra mim, seu merda!

Batidas fracas na porta. Do outro lado, a avó convida:

- Meninos, o lanche tá na mesa. Fiz rocambole.
- Oba! To indo. – vibra o neto.
- Carlos, foda-se a merda do rocambole! Carlos, volta aqui!



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