segunda-feira, 20 de maio de 2013
Mediocridade calculada
A supervisora de RH recebe Sérgio com um sorriso plastificado.
- Me chamou, Samara?
- Aham, vamos até a sala de reunião pra gente bater um papo.
Sergio sente-se apreensivo.
- Quer que eu peça um café, Sergio?
- Não. Meu tempo tá curto hoje, desculpa.
- Bom, como você deve imaginar, o Thompson achou grave o que ocorreu sábado, quando você abandonou as crianças na fábrica de pretzels. Não era sua obrigação ir, mas como quis ser voluntário, tinha que ter ficado até o fim da visita.
- Samara, por que o próprio Thompson não vem falar comigo? Deixei recado no celular dele no mesmo dia.
- Recebemos reclamações de pais de crianças do Grupo Escolar Sementes do Amanhecer. O Thompson ficou tão chateado que entregou o caso ao RH.
- Peraí, vão me demitir porque não me saí bem como monitor em uma excursão à fábrica de pretzels? Duvido que o Thompson esteja de acordo.
- Calma, vou chegar ao ponto: desde o ano passado, nosso grupo tem sido elogiado por realizar eventos com crianças em condições de vulnerabilidade social e...
- Eu sei dessa conversa toda, menina - interrompe Sergio - Já te disse que o meu tempo tá apertado.
- O Thompson vai entender se você perder uns minutos aqui – rebate Samara – Como dizia, após o seu abandono, as crianças quase perderam a melhor parte da visita: a degustação de pretzels.
- Quase? Ah, que bom que deu tudo certo.
- Tivemos que acionar outro funcionário com urgência. Algo difícil em um sábado – Samara ignora o sorriso debochado de Sergio e vai em frente – Depois de muito insistir, conseguimos a colaboração do Dimas do TI.
- O dos sete filhos adotivos?
- É. E ele só aceitou porque autorizamos os filhos a irem também. Isso gerou um gasto imprevisto para nós.
- Como assim?
- Os pretzels eram contados.
- Ah.
- Sergio, há tempos o Thompson lhe prepara para um cargo mais elevado, mas observa sua auto sabotagem como um caso de mediocridade calculada, pois você alterna momentos de brilhantismo e desleixo.
- Desleixo? Peraí, agora deixa eu falar! Você sabe o que aconteceu naquele dia? Sabe? A tia que me criou desde os oito anos de idade teve um derrame.
Samara não se impressiona.
- Desleixo sim, Sergio. Logo após ouvir a mensagem, o Thompson ligou para o seu irmão, que desmentiu sua história. Não preciso mencionar o tamanho da decepção, né?!
Sergio não se abala.
- E por não ter dito o motivo real, vocês acham que eu abandonei o posto por desleixo?
- Não seria a primeira vez que o senhor comete error grosseiros quando está prestes a...
- Opa, calma aí! – a veia do pescoço salta - Eu me preparei! Sei tudo sobre essa merda de pretzel, viu?!
- A questão é mais ampla.
Sergio levanta a voz:
- Sabia, por exemplo, que essa porcaria de bolo em formato de laço surgiu nas festinhas da primavera celta? Aposto que não!
- Interessante – responde Samara, inabalável, encarando o papel sobre a mesa.
- E que os monges beneditinos da Renânia e da Borgonha davam como prêmio pra crianças que faziam a lição de casa? - soca a mesa - Também aposto que não!
- Não sabia.
- E tem mais!
Samara esfria a empolgação de Sergio:
- Nada disso importa agora.
- Vou ser demitido?
- Não é nossa política demitir pessoas. O Thompson adota uma linha de gestão mais humana. Por isso, me encarregou de verificar se é ou não um caso de mediocridade.
- Que porra é essa, afinal?
- Potencial desperdiçado por covardia. Alguns chamam também de nanismo motivacional. O Thompson acabou de chegar de um simpósio na Suécia, onde se aprofundou sobre isso esses. Vamos ao questionário?
- Esquece! Não vou ser cobaia das esquisitices do Thompson.
Samara respira fundo e se faz de condescendente:
- Não vai doer – Sergio ameaça retrucar, mas Samara é mais rápida – De um a dez, como foi seu desempenho durante o ensino médio e o fundamental?
Sergio suspira.
- Sei lá. Seis ou sete.
Samara parece gostar da resposta.
- Sergio, você serviu ao Exército, correto? – Sergio confirma com a cabeça – Enquanto estava lá, desejou subir de patente?
- De jeito nenhum. Pelo visto isso não é um questionário padrão, né?!
- Trabalho com investigação.
- Isso se chama espionagem, Samara.
- Você é casado há 5 anos com uma mulher saudável – Samara recorre às anotações – Os dois já passaram dos trinta e cinco, porém não tiveram filhos.
- E daí? O que tem a ver?
- Por que não quis dar esse passo?
- Eu sei lá! Porque não é a hora.
- Medo de consolidar um estado pleno de felicidade?
- Que ideia!
- O senhor teme a paternidade?
- Olha, vamos parar por aqui.
Percebendo o ponto fraco, Samara insiste, agora com doçura na voz.
- Sua mulher tem alguma coisa a ver com o que anda se passando?
Sergio abaixa a cabeça pensativo.
- Pode se abrir, Sergio.
- Samara, eu ando tenso... com medo. Gostaria de voltar pra minha baia.
- Medo de quê?
Sergio esconde o rosto, segurando o pranto. A supervisora de RH tranquiliza-se ao perceber que ninguém os observa através das paredes de vidro.
- Eu desconfio que o meu casamento já era. Mas eu não queria... - Sergio fica vermelho e não consegue mais reprimir as lágrimas.
- O que houve no sábado?
- Me ligaram, disseram que ela tava na praça de alimentação do shopping. Como é que pode, meu Deus?!
- O que ela fazia lá?
- Me enganava! – grita Sergio, estremecendo Samara.
Samara junta seus papéis, enquanto Sergio permanece absorto. Ela se levanta com delicadeza e coloca a mão sobre o ombro dele.
- Sergio, entendo o seu drama, mas foge às minhas atribuições. Vou comunicar o que se passa ao Conselho e aos heads de cada setor. Com todos a par do problema, ficará mais fácil lhe dar apoio psicológico.
Samara deixa a sala sem fazer barulho. Imerso em sua dor, Sergio mantém-se cabisbaixo por alguns instantes. Ao recuperar a lucidez, levanta-se assustado e sai correndo desesperado atrás da supervisora de RH.
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